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Exposição “Pedro e Inês” – Alter do Chão – 2008

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Exposição “Pedro e Inês”
Alter do Chão - 2008

Exposição inaugurada em 2008 pelo Exm.º Sr.º Presidente da República Cavaco Silva

“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.”

Os Lusíadas, Canto III, est. 120

O cronista Fernão Lopes afirmou que semelhante amor, qual elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguuma pessoa.

As pedras do Castelo de Alter do Chão testemunharam a Saudade sem fim, a dor de amor dilacerante, o pesar de uma ausência prematura e sem retorno. Neste espaço, começa a ganhar forma o reino da Saudade, que há-de elevar os amores de Inês e Pedro a um plano mítico.

Foi a Saudade de Pedro quem resgatou Inês às trevas e a projectou eternamente no imaginário português. Foi a força vivificante da Saudade que nos deu a conhecer a união de dois seres, muito para além dos limites que a finitude dos seus corpos impunha. Foi o poder redentor da Saudade que transpôs a experiência do amor particular à escala sublimada do universal, tornando-o paradigma perene.

É, na verdade, invulgar a capacidade humana de operar esta transformação e, assim, experimentar a plenitude do Amor maiusculado. É dessa força incomensurável que se nutre o mito. É nesses mitos que se forja a alma de um povo.

Alter do Chão , 2 de Julho de 2008
Ana Mafalda Dos Prazeres Sadio

Inês e Pedro

naquele engano da alma, ledo e cego

Sabemos todos que a própria História afinal não passa de uma lenda, mais fundamentada por certo, mas não isenta de fantasia e manipulada por interesses pouco históricos e coevos da sua escrita. Das lendas se faz História e da História se fazem mitos, e daí se quem conta um conto lhe acrescenta um ponto, Maria Leal da Costa resolveu colocar o seu neste drama de paixão e apaixonante, que entusiasmou o Ocidente à época (meados do século XIV) e que motivou grandes escritores e artistas a abordarem-no em escritos, desenhos, pinturas, esculturas, partituras, etc.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito (1)

Com a sua firme rejeição do ordinário, do trivial, e também do espavento, da luxúria, como tive oportunidade de afirmar em anteriores textos, Maria persiste numa figuração diluída, entendível bastante, plena de simbólica e reprodutora de leituras. Este seu lado não convencional e marcadamente contemporâneo, pois de transição clara para um futuro ainda não classificado, de afirmação de síntese – essa odiada dos fingidos vanguardismos – entre as esgotadas abstracções puras e os figurativismos, está aqui bem presente neste conjunto de obras.

A rudeza de materiais e das construções apontam à crueldade de um assassinato bárbaro, com força crua… deste causa à molesta morte sua(2) , justificado em políticas, isto é, em conjunturas, a que um refinamento sentimental, talvez plangente, se obstina em condenar, porque a eternidade de um amor se justapõe a qualquer proveito momentâneo. Morrei, Amores, que Inês morreu (3) , e só a tragicidade do acto eterniza uma paixão sem par, como se este poema de martírio-amor-ardente tivesse sido escrito pela espada fina que trespassou a inditosa.

Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra uma dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?(4)

E os ferros da escultora coroam e ferem, no peito lhe enterrais os ímpios ferros(5) , acentuam uma realeza que só o é, tardiamente, pelo sangue derramado, e um amor que só existe pela contundente dor, em perversa condição, de teu sangue os crueis tingem seus ferros.(6) As coroas são ásperas e agressivas, como o foi uma morte mas também uma póstuma magnificência, com vinganças e despeitos a acompanhar. Ó que coroa lhe aparelha a morte(7) … se amor houve a morte o coroou.

Não possa mais a paixão
Que o que deveis fazer;
Metei nisso bem a mão,
Que é de fraco coração(8)

Esse coração, fero e silvestre, provido de uma luz sanguínea, quase incandescente, que seduziu Pedro e se finou em clarões espaçados de agonia, era de Inês, a galega, dessa Galiza ainda hoje atraiçoada pelos mesmos, os do vence a razão do Estado, morre a do afecto(9) , porque não soube defender-me, dei-me toda(10) , e isso expia-se a cada jacto de luz. O grand’amor nunca se força , brota inato protegido por Nike, pela sua veracidade estrutural, como as esculturas de Maria Leal da Costa, reflectidas e impulsivas em sábia dosagem. Do ceptro é digna, impera em corações . A escultora arrebata-nos com os mutantes piscares, ergue mais alto, sublima o drama, isto é, a vida, quer dizer… a morte, porque imparáveis irmãs, opostas razões siamesas, declinam em lampejos o verbo que vale a pena, o que sobeja, Amar.

Tervuren, 1 de Julho de 2008
Joaquim Pinto da SIlva

1 Camões
2 Camões
3 Bocage
4 Camões
5 Bocage
6 António Ferreira
7 António Ferreira
8 Garcia de Resende
9 Camões
10 António Ferreira
11 António Ferreira
12 Bocage